28/04/2009

Pecado


Este é o planeta vivo que habitamos.
É esta a Terra que tão bem nos acolheu,
presenteando-nos com o fruto divino
que o tempo amadureceu
e que o homem, por ignorância,
até hoje não colheu.
Há muitos milénios e milénios
que nos chega o som suavíssimo de um sino
clamando de muito longe, o despertar.
É o milagre que todos os dias renasce,
as marés na força do rebentar,
a revelia das ondas do mar,
os momentos que não se podem perder,
porque eles valem a vida
muito mais do que nós mesmos.
É a oportunidade única
que nos deixa a porta sempre aberta,
a fim de corrigirmos os erros e os lapsos
da nossa longa e dispersa caminhada,
tão hostil e tão incerta,
até então mergulhada
na agonia de um dia sombrio
onde só tem lugar o vazio.
É o encanto e desencanto sucinto
de um universo fascinante, todo inteiro,
que cabe na mão de quem o alcançar primeiro,
reduzido a pedrinhas que mais não são
do que pequeníssimos grãos de areia,
transformados pelas nossas mentes,
em autênticos e preciosíssimos diamantes,
depois de abdicarmos do infortúnio
das infelizes horas de amargura
que o nosso subconsciente, imerso na tortura,
carrega e nos sobrecarrega, dia e noite.
Saudar a manhã, o dia que recomeça,
é revigorar a nossa juventude,
mergulhada no abismo dos sonos ignorados,
perdida nos anos debulhados,
de um tempo tão velho e distante
em que nos achamos já.
Como a criança que cresce dia a dia
à procura do seu próprio espaço,
a caminho da chama da alegria,
fugindo à mão que a arrancará ao sonho
para lhe legar a vida na sua plenitude,
permitindo-lhe um crescimento
feliz, saudável e em harmonia
o que, em contraste profundo
com uma natureza rebelde e fria,
parecerá um céu, um novo mundo,
coberto de estrelas, muito embora vivas,
que sempre permanecerão mortas no nosso cérebro.
Se existisse um paraíso, existiria a verdade.
A verdade dimensional,
sem lugar para o mal,
porque, existindo um paraíso,
pressupõe-se, existiria uma verdade.
A verdade das coisas e dos factos
que tanto desejaríamos sempre eterna,
surge ou ressurge, apenas e somente,
por uma mera casualidade,
num instante inexacto da nossa mente,
por entre folhas, flores e frutos,
num sorriso e inocente desabrochar
da mais bela e pura sensualidade.
É a aliança entre o pecado e o prazer.
Nela se repousa e se parte para a agressão.
É a escolha entre o abnegar e a tentação.
Fantasiar a lenda é algo a acontecer,
sórdido, talvez, mas notável,
sobretudo se se tratar
do que nunca, jamais, virá a suceder.
Assim, a História da nossa “nobre” e “real” civilização
assenta essencialmente e principalmente
numa verdade que sempre se esconderá.
O que se sabe e se conta
é o fantasma da verdade,
a lenda, já por si fantasiada.
Para querermos a realidade, de facto,
teríamos de correr muito para conhecer
o fluxo da fonte da nascente
que brota da profundidade terrena,
deslizando em liberdade pela vertente.
Essa sublime fertilidade
é apenas o indício de uma gota da Verdade,
do princípio de todas as coisas,
geradas ou criadas.
Buscá-la ou procurá-la
é querer penetrar na eternidade.
É a tentativa jamais impensável
de irromper o espaço na conquista do Absoluto.
É comer as folhas,
deliciar-se com a doçura da essência das flores
e cometer com toda a certeza,
um enorme e irremediável pecado:
negligenciar o fruto sagrado
por um Deus abençoado.

Esse néctar suculento e perfumado,
que mantém de pé o homem e a vida,
tão carenciada de beleza;
a alma humana,
tão arrasada por tanta insanidade,
tão fatigada e necessitada de brilho e de luz,
neste jardim à beira mar plantado
que, ocioso e temeroso, jamais se libertará
do maior dos males de toda a humanidade:
- ausência de amor - o Pecado.

Março/94

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