28/04/2009

O Dia mais longo


Longas foram as horas
Que me deixaram na tua ausência
Ontem
Eu tinha acordado doente e sem paciência.
Vi, por entre as cortinas,
Que cobriam o vidro embaciado,
O céu, sem luz e sem brilho.
Tinha tido um sono pesado
E a cabeça estalava-me.
Inebriada de pensamentos funestos
Que a noite fizera brotar
Em fogo na minha mente,
Como arma que atira sem cessar,
Causando uma dor que a gente nem sente,
Chorei, chorei, chorei.
A Verdade fugiu.
A Liberdade foi presa.
Os meus olhos deixaram de ver
O meu coração deixou de pulsar.
Gelaram as minhas mãos,
Não sinto, não ouço, não vejo.
Um cérebro cheio e atulhado
Um coração que pulsa aperreado
E uma bomba, talvez, por rebentar.
O vendaval da humanidade destruída.
A inutilidade que o tempo acolheu.
A espécime rara que a História varreu.
A história que fica sempre por contar,
A história que fica sempre por viver.
Eu e “eu”
Síntese do nada.
Como a vida é leve, afinal,
Como tudo é simples, por sinal,
Como o ar que respiro é fresco
Como o chão que piso é suave.
Como o sol que me aquece é quente!
O Dia mais longo não morreu
O dia mais longo sou Eu

1972

***


Quando um homem chora


Quando um homem chora,
a terra fumega ardente de calor.
O pulsar do seu sentir implora,
a natureza muda de côr.

Do chão, elevam-se nuvens de vapor,
que atenuam o desespero de tanta dor,
num mar de lágrimas que ameniza o coração,
desconhecendo tudo o que é razão.

Abafa o desalento que o atormenta.
Sufoca o desafio da sua vida cinzenta
na mágoa do peso do nada saber.

Como o soluçar de um pássaro a sofrer,
sempre que um homem chora,
o mundo inteiro assiste, mas ignora.

Jul/97


***


Interrupção


Quando me ausento eme transponho
Para lá da barreira “realidade”

Quando me destaco na confusão abafada
E me sinto mais que Eu, a “irrealidade”

Quando paro e me interrogo
No espelho da eterna desumanidade

E quando não me detendo, avanço,
Ao encontro da humanidade

Quando me abandono à ilusão
E me sinto presa à frustração
Das encruzilhadas de um mundo medonho

Quando improviso paz, amor, liberdade
E me sai guerra, ódio, saudade...

Quando me entrego ao sabor do correr da vida
E acordo com um peso tão grande
Por dentro e por fora partida
Sem encontrar ponto de saída

Onde estou
que não sei se existo

E se existo
não sei quem sou,

De onde venho
Para onde vou.

Jul/75

***


A longa noite do tempo


Eu conto o tempo os dias as horas
p’ra que o meu bem venha logo
depressa sem mais demoras
e peço aos deuses à estrada da minha vida
na esperança de não ficar esquecida
que o sonho um dia possa ser realidade
e que não venha demasiado tarde
agora é dia mais logo é noite
e mais outra noite e mais outro dia
o sol rompe e não me aquece
na escuridão da noite
a lua de mim judia
e o sonho que não aparece
vai ficando muito longe
ensombrado na densidade do horizonte
fica esfumado deformado e arrefece
arrefece cada vez mais
e eu já não sei
se hoje quero o que ainda ontem
eu tento queria
e eu já não sei
se alguma vez o quis
e eu já não sei
se posso se quero se sei ser feliz.

Fev./94

***


Absorção


Doce e eterno paraíso
Que há tanto, tanto, viso.
E agora, num instante fulminante,
Meu olhar se perde e se afunda
Num largo horizonte
Em que a ansiedade superabunda.
Aí, grave, um dia sem querer, olhei,
Perdida na rua, por distração.
Aí, grave, pouco depois, fixei,
Movendo o pensamento ao sabor da ilusão.
Magnífico, fantástico!
- Eu quero. Eu quero.
Oh, vida insensata e cruel!
Porque nos negas aquilo a que temos direito?
Porque nos proibes o “melhor”
Sem qualquer forma de jeito?…
- Eu quero. A Ti.
- Eu quero a tua vida e o teu tempo,
As tuas horas e o teu pensamento.
O teu cansaço e a tua amargura,
A tua paz e o teu sofrimento.
Eu quero pousar languidamente
E absorver egoistamente
O teu carácter e a tua personalidade
A tua glória e o teu valor
A tua fraqueza e a tua necessidade
Forte e segura de amar.
Mas … olha, não tenho nada para te dar…
Apenas e somente
Um coração quente a pulsar
E nas minhas mãos vazias,
Pálidas, húmidas e frias,
Está tudo pata Ti.

29.12.72

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