30/04/2009


PREFÁCIO

A surpreendente e fascinante inspiração poética de Luisa Lícias deixou-nos a balsâmica sensação de que, entre tantos poetas de língua portuguesa, alguns há de singular extracção. 

Cada um dos poemas que nos foi dado “sentir” revela uma inspiração ampla, sóbria, quase sempre encerrando múltiplas significações, perfeito equilíbrio entre a ideia “vivida” e sua explosão interiorizada apelando ao encontro de elevados patamares, tanto metafísicos como sensoriais. 

Luisa Lícias é possuidora de particulares dons estéticos, caracterizados pela rara capacidade de dar uniformidade às suas circunstâncias e ao seu tão substantivo imaginário eivado de “mosaicos” onde as Côres são gritos de alma, e perturbantes cintilações de uma vincada personalidade para a qual contribui a sólida inteligência de quem, escrevendo por impulso, sabe o valor conceptual e ético do que nos propõe, em linguagem profundamente verdadeira - porque profundamente poética.

A poesia de Luisa Lícias é, muito rica de temas e ritmos, de simbólicas conotações e denotações, o hálito de contínua criatividade a contrapor-se ao tecido, tantas vezes cruel, da(s) experiência(s), oscilando entre polaridades de claros/escuros, jogando oposições de memória e angústia, de solarenta esperança ou de longínquas e nostálgicas reminiscências, abrangendo paisagens com pessoas dentro.

A quem se dirige o poeta quando escreve “... quando partires na tua montada/galopando rumo ao vento/sem parar na curva da estrada/dividindo ao meio o “tempo”/um lado é Teu/o outro é Meu ...” a que logo se segue “... Quando desceres pela encosta florida/num campo fresco, cheirando a jasmim/abranda a fúria da tua corrida/respira fundo e entra. É o Meu jardim/Metade é Meu/metade é Teu ...”

Dirige-se Luisa Lícias, a alguém especialmente escolhido como seu par “de simetria e sintonia” sem que, da fusão de sentimentos e sensações saiam anuladas a vontade livre, a liberdade liberta, os caminhos abertos em permanência - ou o poeta expressa, apenas, uma mágica e mítica fórmula no sonho perene do encontro com o “fugidio e efémero ideal” que Cervantes tão admiravelmente corporizou nesse comovente D. Quixote de La Mancha”?...

São muitos os poemas que a “Mulher” Luisa Lícias constituiu em luminoso painel de variegados desenhos verbais onde a relação sintagmática se assume, quantas vezes, em “um nunca mais acabar de espanto e de sonho”.

Nesta poesia, a demiúrgica inserção dos múltiplos e impressivos “flashes” de uma vida marcada por universos naturalmente femininos, aparece-nos como “criação do Outro e para o Outro”.

Nesse mítico “espaço da Mulher” encontramos a “quente lucidez de uma planície”, o “ondulante, oceânico sexo em busca do Amor”, à Ovídeo ou Omar Khayam” a “superfície inteira banhada pelos ventos de aurora e pelas “tépidas chuvas dum certo e cálido outono”.

Velas vermelhas, “filhas do sol, refúgio do inverno”, os “olhos cheios de brilho que, no mar, vinham na vaga e se espelhavam na onda da maresia”; a liberdade livre de ser dona da lua e com ela dançar, com ela adormecer”; “os olhos das crianças louras, os olhos das crianças negras, o amor, a dor...; e, no desfolhar de um livro de versos vivos e vivificantes onde difícil é determo-nos num poema solitário, essa tão tocante homenagem a um admirável ser que, poeticamente, pela vida passou, da vida se despediu, sempre igual a si próprio, evanescente, apelando à compreensão, ao Amor do Outro - Irene Urbano de seu nome, “duas esmeraldas no rosto ferido/diamantes esquecidos no olhar perdido/dona da fantasia/flor rebelde tresmalhada/sempre só na encruzilhada/uma vida, uma sangria/de alma nua, leve e rouca/a Rainha da poesia/louca/tão eternamente louca!

Por fim e para qualificar a poesia de Luisa Lícias, com que alegria e humano entendimento me recordo do meu tão próximo Paul Valéry “... a poesia tende a constituir o discurso de um ser mais puro, mais potente e mais profundo nos seus pensamentos, mais intenso na sua vida, mais elegante e mais feliz na sua fala do que qualquer pessoa real ...”

Rui Romano

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